O NRP Afonso de Albuquerque encontrou 184 sobreviventes do Nova Scotia

fotografia do navio Nyassa

Náufragos do Nova Scotia
(Fotos cedidas por Mário Pereira)

NRP Afonso de Albuquerque
(Portugal)

Capitão: José de Brito (Cap. de Mar e Guerra)
Tipo: Aviso
Tonelagem: 2440 TB
Proprietário: Marinha Portuguesa

Porto: Lisboa
Construção: Hawthorn Leslie and Company (1935)

Às treze horas e doze minutos do dia 29 de Novembro de 1942, os tripulantes do Afonso de Albuquerque viram o primeiro sinal do naufrágio quando avistaram um colchão a boiar. Treze minutos depois detetaram as primeiras jangadas com sobreviventes e 27 horas depois concluíram a maior operação de resgate realizada por navios portugueses em qualquer dos oceanos, salvando um total de 194 pessoas.

Todos as pessoas salvas pertenciam ao paquete britânico, transformado em transporte de tropas, Nova Scotia afundado, na manhã de 28, pelo submarino alemão U-177, que disparou três torpedos certeiros pouco depois das sete da manhã. Em menos de dez minutos afundou-se deixando náufragos 1052 pessoas, destes 766 eram prisioneiros e internados italianos, entre os quais estavam três mulheres, uma com uma filha de 11 anos. Os restantes eram militares ou guardas prisionais ingleses e sul-africanos.

O navio descera do Suez, passara por Moçambique e, próximo da costa de Natal, foi atacado. Dos que iam a bordo muitos perderam a vida de imediato e outros nas horas e dias seguintes. A criança de onze anos foi uma das primeiras a afogar-se logo após o ataque quando o colete que vestia se soltou ao cair na água.

Quando o comandante do u-boat, Robert Gysae, foi interrogar os náufragos percebeu que a maioria eram civis italianos. Como o ataque aconteceu após o caso Laconia - quando u-boats em missão de salvamento foram atacados por aviões aliados - já vigorava a ordem para não realizar resgates. Assim o alemão avisou por rádio Berlim, que informou a Legação do Reich em Lisboa e esta, por sua vez, contactou os portugueses. 

Nova Scotia
(GB)

Capitão: Alfred Hender
Tipo: Transporte de Tropas
Tonelagem: 6,796 TB
Proprietário: Furness, Withy & Co Ltd

Porto: Liverpool
Construção: Vickers Ltd, Barrow-in-Furness (1926)

Mais um grupo de náufragos do Nova Scotia - (Foto cedida por Mário Pereira)

Um grupo de náufragos do Nova Scotia sobre destroços do navio
(Foto cedida por Mário Pereira)

Baleeira do NRP Afonso de Albuquerque a recolher náufragos - Fotos cedidas por Mário Pereira

Baleeira do NRP Afonso de Albuquerque recolhendo náufragos
(Foto cedida por Mário Pereira)

Só ao início da noite de 28, 14 horas após o ataque, a mensagem completou o percurso até Lourenço Marques onde se encontravam os avisos Afonso de Albuquerque e Gonçalves Zarco, ultimando preparativos para regressar a Lisboa. O primeiro aprontou-se e zarpou de madrugada. O comandante do Gonçalves Zarco também quis seguir, mas recebeu ordens para não o fazer. Só seria chamado caso fosse necessário.

Eram duas e meia da manhã quando o navio rumou a sul e pelo meio dia, após navegarem 160 milhas, chegaram às coordenadas avançadas pelo submarino, mas nada encontraram. Só passada uma hora, mais para sul, encontraram provas do desastre que atingira o Nova Scotia. Os destroços encontravam-se dispersos. Viam-se jangadas isoladas e pelo menos uma baleeira com uma bandeira azul com sobreviventes. Havia também gente agarrada a todo o tipo de escombros flutuantes.

O comandante decidiu deixar a baleeira - que parecia mais segura - para o fim e começou a recolha dos que estavam sobre jangadas, destroços ou mais dispersos tentando evitar que se afastassem ainda mais. Para facilitar o trabalho arriaram baleeiras e o escaler a gasolina. Às 16 horas encontraram uma das mulheres. Mais ou menos à mesma hora, no navio, morria um oficial britânico, apesar dos esforços do médico. Ao cair da noite tinham acolhido 122 pessoas e a operação continuava recorrendo a projetores. Quando raiou o sol encontravam-se no centro da tragédia vendo-se centenas de corpos a boiar em redor do Afonso de Albuquerque. 

Náufrago a ser içado para o avido português - (Foto cedida por Mário Pereira)

Náufrago a ser içado para o navio português
(Foto cedida por Mário Pereira)

Baleeira do NRP Afonso de Albuquerque a recolher náufragos - Fotos cedidas por Mário Pereira

Náufragos a bordo do Afonso de Albuquerque
(Foto cedida por Mário Pereira)

Mais náufragos a bordo do Afonso de Albuquerque - Fotos cedidas por Mário Pereira

Mais náufragos a bordo do Afonso de Albuquerque
(Foto cedida por Mário Pereira)

Numa separata, publicada nos Anais do Club Militar Naval de 1952, o então 1º tenente Gomes Ramos, recorda a resiliência dos que foram salvos com o exemplo da mulher que perdeu a filha e que durante 30 horas nadou sozinha até encontrar lugar numa jangada. Uma vaga deixada por um homem que, em desespero, decidira morrer saltando para a água. 

Dois dias depois do naufrágio os portugueses encontraram um homem, esgotado, que dormia profundamente, agarrado a uma mesa de jogo. Entre os sobreviventes estava um luso-descendente que levou o tempo a falar do navio Gil Eanes. Mais triste foi o caso de uma mulher que estava numa jangada e se atirou à água, tentando nadar até ao navio português e não voltou a ser vista. 

Uma situação seria sempre recordada entre os portugueses por se ter tratado de um dos poucos actos de humanidade entre “inimigos”. Um italiano, idoso, quis repetidamente atirar-se ao mar para chegar ao Afonso de Albuquerque, mas o companheiro de jangada, um jovem britânico, impediu-o sempre e face ao cansaço acumulado, salvou-lhe certamente a vida. Seriam dos últimos a ser encontrados…

Tripulação do Afonso de Albuquerque que efectuou a salvação dos náufragos do Nova Scotia

Tripulação do Afonso de Albuquerque que efectuou a salvação dos náufragos do Nova Scotia
(Fotos cedidas por Mário Pereira)

Foi um dos poucos casos em que encontraram juntos aliados e italianos. Na maioria dos casos não se tinham misturado, com a luta por um lugar a obedecer a dois critérios: Primeiro a lei do mais forte e depois a da bandeira. Ao murro ou à facada os dois grupos tinham conquistado direitos sobre os destroços flutuantes. Em jangada, escombro ou baleeira dominada por italianos, não havia aliados e vice-versa.

A rivalidade prosseguiu no navio português onde se continuaram a destilar ódios e inimizades. Foi necessário dividir o espaço para evitar problemas até aportar a Lourenço Marques, no dia 1 de Dezembro.

No afundamento do Nova Scotia perderam-se 212 militares ou civis aliados e 646 prisioneiros e internados italianos, mas graças à intervenção do português foi possível salvar 64 aliados e 130 italianos. Dos últimos, sem puderem apanhar um navio que os levasse a casa para abandonar a colónia portuguesa, vários ficariam por Lourenço Marques e alguns até se juntariam a uma rede de espionagem do Eixo que ali funcionou.

Carlos Guerreiro

 

Nota: Agradecemos a cedência das fotografias a Mário Pereira. Pertenciam ao album do pai, Diamantino Pereira, fogueiro a bordo do NRP Afonso de Albuquerque quando da operação de resgate do Nova Scotia.




Fontes:

National Archives UK, Kew (GB)  §  Arquivo Histórico da Marinha (PT)  §  Arquivo Histórico do MNE (PT)  §  uboat.net  § Shipping Company Losses of the second World War, Ian M. Malcolm  §   Liverpool Maritime Museum/Archive  §  Lawrence Paterson, Hitlers Grey Wolfes - U-boats in the Indian Ocean  §